As emoções e a saúde
Extrato do artigo do Jornal UNESP, de Outubro/2005 – Ano XIX – nº 205:
Na UNESP, várias pesquisas associam as condições emocionais dos pacientes ao aparecimento e tratamento das doenças. Uma das linhas de investigação destaca a relação do câncer entre mulheres com problemas como estresse, distúrbios familiares e conjugais. Outros trabalhos analisam como o sistema imunológico humano é afetado pelos sentimentos. As conclusões dos especialistas geralmente assinalam a importância da presença de psicólogos nos grupos voltados para o tratamento das moléstias.
Carmen Neme, docente da Faculdade de Ciências (FC), campus de Bauru, enfatiza que o câncer é determinado por complexas relações genéticas, psicológicas, imunológicas e ambientais. No entanto, a psicóloga adverte que um dos fatores mais significativos nesse processo é o chamado estresse crônico, provocado por um ritmo de vida desgastante e pequenas e freqüentes frustrações, responsáveis por uma elevada excitação emocional que, por sua vez, leva ao desequilíbrio psíquico e fisiológico. Ela se baseia em três estudos que promoveu sobre o tema, apresentados no II Congresso Brasileiro de Stress, em setembro, na cidade de São Paulo.
Num dos levantamentos, baseado em entrevistas com 40 mulheres com câncer de mama, útero e ovário, atendidas no Centro Regional de Oncologia, em Bauru, as pacientes associaram as crises emocionais com o aparecimento da doença. Segundo as entrevistas, 57,5% das participantes acreditavam ter adoecido devido a perdas na área afetiva, depressão, sentimento de culpa e estresse. Apenas 9% do grupo atribuiu o mal à hereditariedade. “Verificamos que 87,5% das pacientes relataram que, nos dez anos anteriores à doença, ocorreram eventos considerados importantes na área familiar, envolvendo perdas afetivas e financeiras”, afirma a docente.
Num outro estudo, baseado em entrevistas com 130 pacientes homens e mulheres com câncer, a docente identificou a família como o maior foco de problemas afetivos e emocionais. “Ouvimos reclamações como perda de filhos, alcoolismo, drogas, brigas e rompimentos com pais, irmãos ou sogros, além de separações traumáticas”, conta a docente. Segundo a psicóloga, devido ao acúmulo de funções na família e no trabalho, as mulheres são as que mais sofrem com o estresse crônico. “As pequenas e repetidas demandas diárias são potencialmente as mais patogênicas, já que não são facilmente eliminadas ou minimizadas, por causa do contexto social em que elas vivem”, explica.

Influência imunológica:
Paralelamente aos levantamentos baseados em entrevistas, há pesquisas que avaliam os efeitos das condições sentimentais sobre o organismo. O imunologista José Mauricio Sforcin, do Instituto de Biociências, campus de Botucatu, tem entre suas linhas de investigação a associação do estresse com o sistema de defesa do corpo. “Muitos trabalhos têm sugerido essa relação, nos últimos anos, principalmente a partir da descoberta da interligação dos sistemas imunológico, nervoso e endócrino”, comenta o docente.
Sforcin ressalta que indivíduos depressivos costumam apresentar baixa produção de citocina IL-3 – uma proteína que regula as respostas do sistema imunológico às ameaças ao organismo – e reduzido número de células de defesa, os linfócitos, que combatem infecções específicas. “A resposta imune celular é mais afetada durante o estresse, o que pode levar à progressão do câncer”, completa o imunologista.
Em seus estudos, o psicólogo Nelson Silva Filho, docente da Faculdade de Ciências e Letras, campus de Assis, identificou fatores psicológicos associados às alterações da condição imunológica de indivíduos infectados pelo HIV, vírus causador da aids. A partir de análises feitas no Ambulatório Especial do Departamento de Doenças Tropicais e Diagnóstico por Imagem da FM/Botucatu, ele constatou que, entre 31 pacientes infectados – com ou sem os sintomas da doença –, 84% apresentavam algum grau de depressão crônica e 36%, propensão suicida.
“Esses pacientes também expressaram diminuição das células de defesa específicas contra o vírus, as CD4+ e CD8+, e aumento da carga viral no organismo”, afirma. O pesquisador também considera importante avaliar melhor os efeitos do vírus e dos medicamentos anti-retrovirais, tais como depressão, irritabilidade, alucinações e delírios. “Essas manifestações contribuem para dificultar o enfrentamento da doença e das situações vividas pelos pacientes, reforçando a necessidade de intervenções psicoterápicas”, argumenta.
Concepção integrada:
A mudança de ênfase na compreensão e enfrentamento das doenças é destacada pelo antropólogo Cláudio Bertolli, docente da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac), campus de Bauru. Autor dos livros História da Saúde Pública (2003), A gripe espanhola (2003) e História da tuberculose e dos tuberculosos (2001), Bertolli enfatiza que, durante séculos, a atividade médica foi dominada por uma concepção de caráter materialista, que encara a saúde e a doença como fenômenos biológicos, sem influência de fatores psíquicos.
No entanto, segundo o antropólogo, em função de processos como o surgimento da contracultura, na década de 1960, ganhou força uma tendência que existe desde a Antiguidade, a medicina psicossomática. Essa tendência, por sua vez, se dividiria em duas correntes: a cartesiana e a fenomenológica. Para a primeira, o ser humano é composto de dois elementos inseparáveis, o espírito – ou mente – e o corpo. “Essa corrente, que confere grande destaque à dimensão psicológica, argumenta que o espírito é hierarquicamente superior ao corpo, impondo-se a ele”, esclarece Bertolli. “Quando esse espírito fraqueja, ocorre a tendência ao desenvolvimento de patologias corporais.”
A corrente fenomenológica tem uma abordagem holística, vendo o ser humano como um todo, resultado da interação de três dimensões de vida: a biológica, a psicológica e a social, e nenhuma delas seria “superior” ou determinante das outras. “O grande desafio da medicina psicossomática, porém, é estabelecer relações causais claras entre a manifestação da saúde e da doença e fatores mais complexos, seja aqueles de ordem exclusivamente psicológica, seja os que integram corpo, mente e sociedade”, destaca Bertolli.